Diálogo entre cancerosos
Bruna: Boa noite meu amigo, meus pêsames pela morte do seu amigo, quanta tristeza hein? Chorei muito com seu depoimento.
Gláucio Soares: Como tu dizes, cada um de nós que morre provoca uma dor que repercute em todos os demais. Um cheiro, minha querida.
Bruna: As pessoas me falam que choro por qualquer coisa, mas acho que não, fiquei mais sensível ao sofrimento das pessoas. Desculpe pelo incômodo, sei que és um homem muito ocupado.
Gláucio Soares: Triste mundo: é feio chorar pelos demais.
Bruna: como o senhor está? Em relação à sua saúde?
Gláucio Soares: Cada dia é uma benção. Estive com crianças muito pobres e em situação de risco, no interior de Pernambuco. Consegui que algumas sorrissem e eu estou feliz até agora.
Bruna: Na última vez que nos falamos o senhor estava em Nova Iorque… nossa, que trabalho lindo.
Gláucio Soares: Fazendo tratamento anti-hormonal. É cheio de efeitos colaterais, mas nada que se assemelhe à químio.
Bruna: estive com meu médico sexta-feira passada, e ele me desenganou totalmente estou muito triste, pois tenho uma filha especial; parece que esta doença resolveu invadir meu organismo por completo.
Gláucio Soares: Ela sobreviverá e dará testemunho. Se ela precisar e eu puder, ajudarei. Tenho essa abençoada missão.
Bruna: Obrigada pelo carinho
Gláucio Soares: Acredite, por favor.
Bruna: estou sem fé no momento. Não sei o que está havendo comigo – nunca fui de desistir das coisas, mas parece que meu tempo aqui está se findando… Desculpe. Preciso desabafar com alguém.
Gláucio Soares: É a revolta. Kubler-Ross diz que é uma fase, que virá a aceitação.
Bruna: os que passam o que eu passo? Será? Os médicos não me dão nenhuma esperança.
Gláucio Soares: Há alguns caminhos diferentes, mas a maioria chega até a aceitação.
Bruna: já estou com quatro canceres diferentes e ele continua se alastrando pelo meu corpo.
Gláucio Soares: posso pedir que um amigo reze missa por ti?
Bruna: Pode.
Gláucio Soares: Posso colocar nossa conversa, sem identificação, online? Talvez ajude alguém a ser mais compreensivo e a ajudar quem sofre.
Bruna: Pode sim, sem problemas.
Gláucio Soares: O pai de tua filha pode segurar a barra sozinho?
Bruna: sou mãe solteira
Gláucio Soares: Eu sei, mas há um pai biológico, consciente da paternidade?
Bruna: quando ela nasceu a minha família e ele quiseram que eu a deixasse na maternidade, por ela ser Síndrome de Down, mas ele a conhece sim.
Gláucio Soares: há quem possa ajudá-la?
Bruna: Sim, tenho uma irmã, uma pessoa muito boa, ela está no seu Facebook, também, como xxxx
Gláucio Soares: Bruna, viva o que ainda podes viver, e olha para o que fizeste. Olha para a tua sensibilidade. Olha o bem que fizeste.
Bruna: Trabalhamos juntas.
Gláucio Soares: Olha para a empatia que tens para com os demais que sofrem com essa doença, teu desejo de ajudar. Queres ajudar mesmo quando os médicos te dizem que estás chegando ao fim…
Bruna: Nós temos uma livraria itinerante.
Gláucio Soares: Linda ideia.
Bruna: Obrigada pelas doces palavras.
Gláucio Soares: Bruna, como estamos pouco preparados para a morte! A nossa, e a das pessoas queridas também. Tu és uma pessoa querida. Não estou preparado para o que me dizes que te acontecerá.
Bruna: me sinto lisonjeada, vindo de uma pessoa como o senhor, parece que nos conhecemos há anos…
Gláucio Soares: Na minha idade, seria há décadas…
Bruna: rsrsrs que isso. Acho que és bem mais moço do que eu: até meus médicos dizem que tenho 100 anos cabeça, de séculos atrás.
Gláucio Soares: Se a alma é imortal, como acreditamos quando nos convém, somos milenares ou mais. Será que as almas nascem ou sempre existiram?
Bruna: Vou deixar o senhor descansar, espero um dia podermos nos ver pessoalmente, e conversar mais. Fica aqui o meu abraço qualquer coisa este é meu e-mail: xxxxxxx Falo muito; desculpe mais uma vez
Gláucio Soares: Envio o meu abraço. Entraste nas minhas intenções. Fique certa de que minha alma sente e pede pela tua.
Bruna: depois quero saber sobre o blog do senhor, o que mencionou no depoimento ao seu amigo. Fique com DEUS.